segunda-feira, 25 de abril de 2016

O PAPEL DA FAMÍLIA NA REINCERSÃO DO CIDADÃO PRESO

O PAPEL DA FAMÍLIA NA REINSERÇÃO DO CIDADÃO PRESO


“A construção social da desigualdade é ditada por alguns fatores:
símbolos,leis/normas/valores,instituições e subjetividade.”
(Vera Vieira)

Desde a pré-história, quando se organizou em grupos, o homem sentiu a necessidade de estabelecer regras de convívio, ou seja, limites, a fim de conviver com seus semelhantes.
Acreditamos que o comportamento está intimamente ligado às crenças que cada sujeito formou ao longo da vida, determinando sua atitude e seu comportamento. A sociedade, como um todo, também determina e é determinada pela forma como cada indivíduo interage com os outros.
Não podemos compreender a reinserção social sem a premissa dessa interação. É necessário o movimento de aproximação e decodificação desses atores (o cidadão encarcerado, sua família, os operadores do direito e a sociedade), para podermos pensar em reinserir o homem e a mulher presos, em condições de garantir-lhes, o mínimo de adaptabilidade ao convívio social; nesse processo a família é o ator estratégico; é aquele que faz a ponte entre a sociedade e o/a preso/a.
“Homens e mulheres, somos corpos conscientes e sociais no mundo, na história, e com a história, que nos faz e refaz enquanto a fazemos. Porque nos achamos com o mundo e não só no mundo, como se fosse ele um puro suporte onde nossa vida se daria, nos fizemos históricos e nos tornamos capazes de inventar a existência, servindo-nos para tanto do que a vida nos ofereceu. É por isso que a nossa presença no mundo não se pode reduzir à mera adaptação a ele. Estar no mundo só vira “presença” nele quando o ser que está se sabe estando e, por isso, se torna hábil para aprender a interferir nele, a mudá-lo, a se tornar, portanto, capaz de acrescentar à posição de objeto, enquanto no mundo, a de sujeito. Estar no mundo e com o mundo como corpos conscientes, existentes, histórico-sociais implica a assunção, por nossa parte, da inteireza de que vimos sendo.” (Paulo Freire).
Precisamos perceber-nos no mundo como parte possível de interagir com o todo; não há resposta positiva sem a interação das partes.
O trabalho para a reintegração social do preso/a só começará a dar resultados significativos e que altere as estatísticas de reincidência quando o Estado e os operadores do direito perceberem o familiar como parte do processo de reinserção.
 A família é um componente precioso para o resgate de princípios básicos de convivência, ética e moral, por isso torna-se parceira essencial em qualquer trabalho onde a volta ao convívio social se faça presente.
É estranho que até hoje os Operadores do Direito não percebam a família como suporte de um trabalho de sensibilização.
Ela aparece em audiências com os juízes mais para ouvir do que para opinar, não se percebe a família como contribuinte ativa para a produção científica, a não ser como público-alvo e nunca como um ator importante na implantação do objetivo real e legal da execução da pena que é a reinserção de forma positiva e produtiva do cidadão /cidadã, presos; não se tem notícia do desempenho da família como parceira do Judiciário/Executivo no balizamento de ações que gerem uma resposta positiva para a reincidência, através de ações pensadas e coordenadas tendo a família como ponto central a ser trabalhado como sustentáculo para a volta dos cidadãos encarcerados.
Na formulação de políticas públicas, é fundamental qualificar a participação desses atores com os quais se trabalha. Devemos ampliar as noções, de direito e cidadania, para muito além do que tradicionalmente é conquistado.
Temos que observar as necessidades básicas dessa família, fazendo-a acessar uma renda mínima e conseqüentemente a segurança alimentar para então pensarmos em reintegrar alguém.
O cidadão preso não é um ser isolado, não é um morador desgarrado de Marte por isso pensar a volta desse indivíduo sem a devida preparação preliminar e um, trabalho consistente de recuperação de toda a família, faz com que o fantasma da reincidência seja uma constante.
A contribuição da família pode se dar de várias formas : através da capacitação  como forma de acessar novos conhecimentos e usá-los em palestras de sensibilização, atuar como agente multiplicadora de informações sobre cidadania, saúde, valores morais e éticos etc..., monitorar em parceria com o Estado atividades do cumprimento das penas alternativas, contribuir para a mudança de algumas políticas públicas através da sua experiência empírica, detectar e agregar familiares com nível médio e superior aos projetos desenvolvidos para presos, capacitá-los para utilizar mecanismos lúdicos e culturais para a sensibilização dos seus familiares jovens.
As relações não podem se balizar no binômio “Vigiar e Punir”, como diz Foucault, a família deve ser vista não através dos esteriótipos Lombrosiano e sim como um interlocutor confiável, tendo um papel intransferível que é o de agente ressocializador e deve ser co-participes e co-responsáveis na reínserção social do seu preso; já que cumprem pena compulsoriamente devem ser também tratados de forma a poder receber o seu familiar e participar das atividades e capacitações pré-reincerção que deveriam ser implantadas nas unidades prisionais como um conjunto de oficinas profissionalizantes, artesanais, lúdicas como preparo para a volta ao convívio social.
Envolver a família em um trabalho de resgate pontual (o do seu familiar preso) tem na realidade um objetivo muito mais abrangente e profundo que única e exclusivamente a preparação para a volta do seu familiar, mas acima de todo trazer a família para o centro das discurssões como mais uma possível parceira é trabalhar a sua auto-estima, é agregar valor ao trabalho sofrível feito nos Estados, é oferecer sustentáculo estrutural para futuras relações dessa família, que a partir dessa visão inclusiva passará a perceber-se cidadã.
Os Operadores do Direito,  o Ministério da Justiça, o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, não podem continuar a verem a família como um apêndice da questão, deve ser compreendida a sua especificidade como parceira na rede social de apoio, e como um dos atores fundamentais para a reintegração; ela deve ser capacitada para cumprir o seu papel de veículo de sensibilização do seu familiar, percebendo-se cidadãos/cidadãs com condições de interferirem nas políticas públicas e exercerem o seu papel de atores/parceiros do Poder Judiciário e do Poder Executivo na co-responsabilidade da execução da pena na sua fase pré-reinserção e na inserção.
Ainda não se tem um projeto piloto que capacite essa população, ainda somos entendidos como atores de menor importância, ainda não somos vistos como parceiros confiáveis para a implementação de ações e/ou discussões sobre políticas publicas inclusivas.
Se, faz necessário usar o princípio da razoabiliadade para entender o papel a ser desempenhado pela família em parceria com o Estado, para o resgate não só do indivíduo, mas de milhares famílias; de uma geração.
Detectar, capacitar e incluir essa família na vida produtiva da sociedade é parte de suma importância na volta do cidadão/ã preso/a.
 O trabalho de reconstrução é o mais difícil, requer cuidado, paciência e disciplina, é necessário desarmar os espíritos, e aguçar os ouvidos de todos os atores para que todos se percebam e se escutem, objetivando um trabalho conjunto para minimizarem os efeitos das ações não inclusivas que o Estado oferece no decorrer do cumprimento da pena; que por não ter o caráter educativo, fomenta o ódio, afastando o indivíduo do convívio social produtivo, fazendo-o voltar a reincindir nas ações negativas.
A família não deve ser vista como uma mera vítima estática da aplicabilidade da Lei que a pune compulsoriamente; ela deve ser percebida como peça chave para o trabalho de diminuição da reincidência.
Não perceber a família no contexto da vida desses homens e mulheres presos, é não investir na possibilidade de resgate, na diminuição da reincidência, no retorno da violência a níveis aceitáveis; sabemos que as prisões são linhas de produção ativas de aperfeiçoamento da marginalidade, por isso é urgente a inclusão da família no contexto da reinserção social como parceira agregadora de conhecimento empírico, na construção de uma via para um diálogo sobre a responsabilidade de todos os atores envolvidos no processo de reinserção do cidadão/ã presos. Tendo todos os atores (sociedade, operadores do direito, o executivo e o familiar), a possibilidade de, conjuntamente construírem um projeto viável de reinserção para o preso (pré-inserção) e o egresso (inserção social).
A família precisa ser vista como peça estratégica na sensibilização do seu familiar, precisa ser capacitada para ser um agente ressocializador; precisa descobrir que a sua participação é de fundamental importância para a modificação qualitativa do seu familiar.
É necessário que se pense em programas federais, estaduais e municipais que proponham o apadrinhamento por um determinado período de tempo de famílias de presos pobres; através do acesso a programas já existentes, tais como: vale gás, cestas básicas, bolsa escola e um trabalho efetivo do serviço social do sistema penitenciário na orientação da família à obtenção do benefício do auxilio reclusão.
É necessário que esses benefícios venham acoplados a atividades (cursos de qualificação profissional, de aperfeiçoamento, de gestão de micro-empresas e cooperativas), com o objetivo de inserirem esses atores (preso e a sua família) no mercado de trabalho.
É, necessário, a sensibilização da iniciativa privada para a importância do trabalho preventivo, através da absorção da força de trabalho do egresso; é necessário estimular o mercado através de incentivos fiscais a empresas que absorvam em seus quadros, egressos e empresas que instalem oficinas laborativas nas unidades prisionais.
É necessário que as Universidades, possam participar desse esforço conjunto, através dos seus professores e estagiários na criação de um Banco de Horas Multidisciplinar, para o acompanhamento e, suporte na reintegração social do preso e sua família.
É, necessário, a participação da sociedade civil organizada através das suas instituições representativas; (Organizações Não-Governamentais (ONG’s), Grupos de apoio, Fundações...) no acompanhamento técnico de atividades de pré-reinserção, nas unidades prisionais e no monitoramento das famílias e do egresso nas atividades previstas em parceria com o Poder Judiciário e o Executivo.
É necessário envolver diversos atores sociais (Conselhos Municipais e Estaduais, Comissões de Direitos Humanos, Igrejas...). Algo importante nas ações, em relação ao Estado e as políticas públicas, é que precisamos inicialmente ter a capacidade de reconhecer quais os espaços estratégicos de ocupação.
É extremamente necessário que os Operadores do Direito estimulem a inclusão da família no processo de reinserção do seu preso, e que a avaliação do grau de envolvimento da família gere relatórios que facilitem a obtenção de benefícios.
Mais do que nunca, face ao agravamento das relações interpessoais na sociedade como um todo e em especial entre as classes mais desfavorecidas, é necessário um esforço conjunto no trabalho preventivo, humano, comprometido, não só com o resgate do indivíduo, mas que seja visto como uma ação estratégica de segurança pública.
A sociedade sempre pensa em mais repressão quando se trata de políticas de segurança; precisamos avançar e construir uma interface com o diferente, neutralizar ações negativas através de ações solidárias, reconstruir o conceito de solidariedade cidadã, respeitando as diferenças e estimulando as iniciativas que conduzam ao crescimento qualitativo do cidadão preso e da sua família.

                                                                 
                                                                Simone Barros Corrêa de Menezes.
                                                                                 20/03/03



Bibliografia:
1)       Gestão de Projetos Sociais – Coordenação Célia Maria Ávila  -  1999
2)       O Prazer e o Pensar – Marcos Ribeiro  -  1999
3)      Educação Popular  -  Fase  -  1999.
 



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