O
PAPEL DA FAMÍLIA NA REINSERÇÃO DO CIDADÃO PRESO
“A construção social da
desigualdade é ditada por alguns fatores:
símbolos,leis/normas/valores,instituições
e subjetividade.”
(Vera Vieira)
Desde a
pré-história, quando se organizou em grupos, o homem sentiu a necessidade de
estabelecer regras de convívio, ou seja, limites, a fim de conviver com seus
semelhantes.
Acreditamos que o comportamento está intimamente ligado às crenças que
cada sujeito formou ao longo da vida, determinando sua atitude e seu comportamento.
A sociedade, como um todo, também determina e é determinada pela forma como
cada indivíduo interage com os outros.
Não podemos compreender a reinserção social sem a premissa dessa
interação. É necessário o movimento de aproximação e decodificação desses
atores (o cidadão encarcerado, sua família, os operadores do direito e a
sociedade), para podermos pensar em reinserir o homem e a mulher presos, em
condições de garantir-lhes, o mínimo de adaptabilidade ao convívio social;
nesse processo a família é o ator estratégico; é aquele que faz a ponte entre a
sociedade e o/a preso/a.
“Homens e mulheres, somos corpos conscientes e sociais no mundo, na
história, e com a história, que nos faz e refaz enquanto a fazemos. Porque nos
achamos com o mundo e não só no mundo, como se fosse ele um puro suporte onde
nossa vida se daria, nos fizemos históricos e nos tornamos capazes de inventar
a existência, servindo-nos para tanto do que a vida nos ofereceu. É por isso
que a nossa presença no mundo não se pode reduzir à mera adaptação a ele. Estar
no mundo só vira “presença” nele quando o ser que está se sabe estando e, por
isso, se torna hábil para aprender a interferir nele, a mudá-lo, a se tornar,
portanto, capaz de acrescentar à posição de objeto, enquanto no mundo, a de
sujeito. Estar no mundo e com o mundo como corpos conscientes, existentes,
histórico-sociais implica a assunção, por nossa parte, da inteireza de que
vimos sendo.” (Paulo Freire).
Precisamos
perceber-nos no mundo como parte possível de interagir com o todo; não há
resposta positiva sem a interação das partes.
O
trabalho para a reintegração social do preso/a só começará a dar resultados
significativos e que altere as estatísticas de reincidência quando o Estado e
os operadores do direito perceberem o familiar como parte do processo de
reinserção.
A família é um componente precioso para o
resgate de princípios básicos de convivência, ética e moral, por isso torna-se
parceira essencial em qualquer trabalho onde a volta ao convívio social se faça
presente.
É estranho que até hoje os Operadores do Direito não percebam a família
como suporte de um trabalho de sensibilização.
Ela aparece em audiências com os juízes mais para
ouvir do que para opinar, não se percebe a família como contribuinte ativa para
a produção científica, a não ser como público-alvo e nunca como um ator
importante na implantação do objetivo real e legal da execução da pena que é a
reinserção de forma positiva e produtiva do cidadão /cidadã, presos; não se tem
notícia do desempenho da família como parceira do Judiciário/Executivo no
balizamento de ações que gerem uma resposta positiva para a reincidência,
através de ações pensadas e coordenadas tendo a família como ponto central a
ser trabalhado como sustentáculo para a volta dos cidadãos encarcerados.
Na formulação de políticas públicas, é fundamental
qualificar a participação desses atores com os quais se trabalha. Devemos
ampliar as noções, de direito e cidadania, para muito além do que
tradicionalmente é conquistado.
Temos que observar as necessidades básicas dessa
família, fazendo-a acessar uma renda mínima e conseqüentemente a segurança
alimentar para então pensarmos em reintegrar alguém.
O cidadão preso não é um ser isolado, não é um morador desgarrado de
Marte por isso pensar a volta desse indivíduo sem a devida preparação
preliminar e um, trabalho consistente de recuperação de toda a família, faz com
que o fantasma da reincidência seja uma constante.
A contribuição da família pode se dar de várias formas : através da
capacitação como forma de acessar novos
conhecimentos e usá-los em palestras de sensibilização, atuar como agente
multiplicadora de informações sobre cidadania, saúde, valores morais e éticos
etc..., monitorar em parceria com o Estado atividades do cumprimento das penas
alternativas, contribuir para a mudança de algumas políticas públicas através
da sua experiência empírica, detectar e agregar familiares com nível médio e
superior aos projetos desenvolvidos para presos, capacitá-los para utilizar
mecanismos lúdicos e culturais para a sensibilização dos seus familiares
jovens.
As relações não podem se balizar no binômio “Vigiar e Punir”, como diz
Foucault, a família deve ser vista não através dos esteriótipos Lombrosiano e
sim como um interlocutor confiável, tendo um papel intransferível que é o de
agente ressocializador e deve ser co-participes e co-responsáveis na reínserção
social do seu preso; já que cumprem pena compulsoriamente devem ser também
tratados de forma a poder receber o seu familiar e participar das atividades e
capacitações pré-reincerção que deveriam ser implantadas nas unidades
prisionais como um conjunto de oficinas profissionalizantes, artesanais,
lúdicas como preparo para a volta ao convívio social.
Envolver a família em um trabalho de resgate pontual (o do seu familiar
preso) tem na realidade um objetivo muito mais abrangente e profundo que única
e exclusivamente a preparação para a volta do seu familiar, mas acima de todo
trazer a família para o centro das discurssões como mais uma possível parceira é
trabalhar a sua auto-estima, é agregar valor ao trabalho sofrível feito nos
Estados, é oferecer sustentáculo estrutural para futuras relações dessa
família, que a partir dessa visão inclusiva passará a perceber-se cidadã.
Os Operadores do Direito, o Ministério
da Justiça, o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, não podem continuar
a verem a família como um apêndice da questão, deve ser compreendida a sua
especificidade como parceira na rede social de apoio, e como um dos atores
fundamentais para a reintegração; ela deve ser capacitada para cumprir o seu
papel de veículo de sensibilização do seu familiar, percebendo-se
cidadãos/cidadãs com condições de interferirem nas políticas públicas e
exercerem o seu papel de atores/parceiros do Poder Judiciário e do Poder
Executivo na co-responsabilidade da execução da pena na sua fase pré-reinserção
e na inserção.
Ainda não se tem um projeto piloto que capacite essa população, ainda
somos entendidos como atores de menor importância, ainda não somos vistos como
parceiros confiáveis para a implementação de ações e/ou discussões sobre
políticas publicas inclusivas.
Se, faz necessário usar o princípio da razoabiliadade para entender o
papel a ser desempenhado pela família em parceria com o Estado, para o resgate
não só do indivíduo, mas de milhares famílias; de uma geração.
Detectar, capacitar e incluir essa família na vida produtiva da
sociedade é parte de suma importância na volta do cidadão/ã preso/a.
O trabalho de reconstrução é o
mais difícil, requer cuidado, paciência e disciplina, é necessário desarmar os
espíritos, e aguçar os ouvidos de todos os atores para que todos se percebam e
se escutem, objetivando um trabalho conjunto para minimizarem os efeitos das
ações não inclusivas que o Estado oferece no decorrer do cumprimento da pena;
que por não ter o caráter educativo, fomenta o ódio, afastando o indivíduo do
convívio social produtivo, fazendo-o voltar a reincindir nas ações negativas.
A família não deve ser vista como uma mera vítima estática da
aplicabilidade da Lei que a pune compulsoriamente; ela deve ser percebida como
peça chave para o trabalho de diminuição da reincidência.
Não perceber a família no contexto da vida desses homens e mulheres
presos, é não investir na possibilidade de resgate, na diminuição da
reincidência, no retorno da violência a níveis aceitáveis; sabemos que as
prisões são linhas de produção ativas de aperfeiçoamento da marginalidade, por
isso é urgente a inclusão da família no contexto da reinserção social como
parceira agregadora de conhecimento empírico, na construção de uma via para um
diálogo sobre a responsabilidade de todos os atores envolvidos no processo de
reinserção do cidadão/ã presos. Tendo todos os atores (sociedade, operadores do
direito, o executivo e o familiar), a possibilidade de, conjuntamente
construírem um projeto viável de reinserção para o preso (pré-inserção) e o
egresso (inserção social).
A família precisa ser vista como peça estratégica na sensibilização do
seu familiar, precisa ser capacitada para ser um agente ressocializador;
precisa descobrir que a sua participação é de fundamental importância para a
modificação qualitativa do seu familiar.
É necessário que se pense em programas federais, estaduais e municipais
que proponham o apadrinhamento por um determinado período de tempo de famílias
de presos pobres; através do acesso a programas já existentes, tais como: vale
gás, cestas básicas, bolsa escola e um trabalho efetivo do serviço social do
sistema penitenciário na orientação da família à obtenção do benefício do
auxilio reclusão.
É necessário que esses benefícios venham acoplados a atividades (cursos
de qualificação profissional, de aperfeiçoamento, de gestão de micro-empresas e
cooperativas), com o objetivo de inserirem esses atores (preso e a sua família)
no mercado de trabalho.
É, necessário, a sensibilização da iniciativa privada para a
importância do trabalho preventivo, através da absorção da força de trabalho do
egresso; é necessário estimular o mercado através de incentivos fiscais a
empresas que absorvam em seus quadros, egressos e empresas que instalem
oficinas laborativas nas unidades prisionais.
É necessário que as Universidades, possam participar desse esforço
conjunto, através dos seus professores e estagiários na criação de um Banco de
Horas Multidisciplinar, para o acompanhamento e, suporte na reintegração social
do preso e sua família.
É, necessário, a participação da sociedade civil organizada através das
suas instituições representativas; (Organizações Não-Governamentais (ONG’s),
Grupos de apoio, Fundações...) no acompanhamento técnico de atividades de
pré-reinserção, nas unidades prisionais e no monitoramento das famílias e do
egresso nas atividades previstas em parceria com o Poder Judiciário e o
Executivo.
É necessário envolver diversos atores sociais (Conselhos Municipais e
Estaduais, Comissões de Direitos Humanos, Igrejas...). Algo importante nas
ações, em relação ao Estado e as políticas públicas, é que precisamos
inicialmente ter a capacidade de reconhecer quais os espaços estratégicos de
ocupação.
É extremamente necessário que os Operadores do Direito estimulem a
inclusão da família no processo de reinserção do seu preso, e que a avaliação
do grau de envolvimento da família gere relatórios que facilitem a obtenção de
benefícios.
Mais do que nunca, face ao agravamento das relações interpessoais na
sociedade como um todo e em especial entre as classes mais desfavorecidas, é
necessário um esforço conjunto no trabalho preventivo, humano, comprometido,
não só com o resgate do indivíduo, mas que seja visto como uma ação estratégica
de segurança pública.
A sociedade sempre pensa em mais repressão quando se
trata de políticas de segurança; precisamos avançar e construir uma interface
com o diferente, neutralizar ações negativas através de ações solidárias,
reconstruir o conceito de solidariedade cidadã, respeitando as diferenças e
estimulando as iniciativas que conduzam ao crescimento qualitativo do cidadão
preso e da sua família.
Simone Barros Corrêa de Menezes.
20/03/03
Bibliografia:
1)
Gestão de
Projetos Sociais – Coordenação Célia Maria Ávila - 1999
2)
O Prazer e o
Pensar – Marcos Ribeiro - 1999
3)
Educação
Popular - Fase
- 1999.
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