Modelo humanista
Quando
trazemos o tema: atenção de saúde; estamos abordando todos os aspectos da
necessidade de saúde, física e emocional, bucal, alimentar e por que não dizer
espiritual, do ser humano. E este é o primeiro aspecto, desde Tomás de Aquino, o
ser humano foi DESMEMBRADO, separado, cortado (em todos os sentidos pela
inquisição), em resumo, a visão tomista do ser humano. Esta visão particular
foi depois reforçada por Sir Isaac Newton, que concebeu o corpo humano como uma
MÁQUINA, e finalmente, esquartejado pela visão de René Descartes, que COISIFICOU
o ser humano.
Na
concepção galênica (Galeno século 2 - ilha de Cnido), também a enfermidade tem
uma origem externa ao ser humano. Um indivíduo "pega" a doença do
outro e a cura também vem de fora. Aplicações externas, compressas,
cataplasmas, pomadas, ungüentos. A concepção de contágio, que é valida para as
doenças infecciosas agudas, passou a ser estendida a todas as doenças crônicas.
Encontraram-se elementos para se explicar o surgimento das verrugas, das
doenças venéreas (e não o comportamento anormal da sexualidade humana,
autodestrutiva), até a úlcera gástrica já tem um culpado: uma bactéria,
desconsiderando o estresse, a ansiedade, a raiva engolida, a alimentação
irracional, a bebida alcoólica e os vários abusos estimulados e permitidos em
nossos dias.
Outra
questão a ser avaliada é a atitude básica de CURAÇÃO X PREVENÇÃO.
Estamos claramente no campo da cura. Como vou evitar (ou prevenir) uma doença
que não sei se vou ter? Como vou poder melhorar a qualidade de vida do que vou
viver em 5 anos se não sei se vou estar vivo. Então comamos e bebamos porque
amanhã morreremos.
Na
China antiga o médico era contratado e pago para cuidar da saúde de uma
família. Se alguém ficasse doente ele parava de receber. Um modelo como este
seria inconcebível nos dias de hoje. Infelizmente sofremos muita influência do
modelo norte-americano, da visão de enfermidade e saúde que eles têm. Na
odontologia isto é ainda mais gritante, tirar a cárie quando ela aparecer, sem
levar em conta o porquê do indivíduo ter adoecido.
Recentemente
esta visão foi alquebrada, quando a biocibernética bucal mostrou que existe
relação de cada dente com um órgão ou sistema, que muitas emoções se manifestam
por questões bucais (caso da Rose L), que uma criança que é amamentada no seio
materno terá uma dentição diferente de outra que é amamenta com bico de
borracha, e isto acompanhado de um comportamento distinto. Quando
"mudamos" um dente de lugar, ou tiramos um dente da boca, certamente
isto é acompanhado de mudanças comportamentais. Normalmente para se tomar
decisões de intervir levamos em conta muito mais a questão estética do que a
funcional. Partimos do pressuposto de que podemos "melhorar" a
natureza.
MODELOS DE ATENÇÃO
Então
voltando ao tema central, a nossa prática de saúde vai ser uma conseqüência do
que pensamos, de nossa visão da saúde, vai ser a exteriorização (sem palavras)
de como encaramos a vida e o mundo.
Particularmente,
eu encaro que quando alguém tece algum comentário sobre outra pessoa, ele está
falando mais de si mesmo que do outro. Ele se projeta nos seus comentários, no
que o incomoda no outro, geralmente ligado ao que incomoda nele mesmo. Para o
observador atento, nada deve escapar à observação.
MODELO TECNOCRÁTICO
A
brilhante Robbie Davis-Floyd trouxe em novembro de 2000, em Fortaleza, na
Conferência Internacional de Humanização do Nascimento, o conceito de três
modelos básicos de atenção de saúde: o primeiro e mais divulgado é modelo
tecnocrático, ou cartesiano.
Nesta
visão de mundo há uma separação distinta entre mente e corpo, o corpo como
máquina, e o paciente como objeto. Na faculdade de medicina, não é raro
escutar: "você já viu aquele câncer de ovário na enfermaria 2?"
Aliás, as faculdades são as maiores perpetradoras deste modelo que eu chamaria IMPERIALISTA
de atenção médica. Onde o terapeuta está separado do paciente. Melhor médico
será aquele que mais souber usar de recursos tecnológicos, curando de fora para
dentro, intervenção agressiva. Aumentar a longevidade sem se importar com a
qualidade de vida. Meu tio Zé tinha uma forma de arteriosclerose progressiva,
que levava a necrose de extremidades, agravadas pelo fumo que ele nunca foi
convencido a deixar, quando se decidiu amputar suas pernas e ele nem saiu do
hospital. Quantas vezes não vemos tratamentos agressivos de câncer para se
prolongar alguns dias de vida, mesmo que a pessoa permaneça sem consciência. A
morte é vista como uma derrota. Vamos "lutar" contra ela.
O
"paciente" é cuidado, e não se cuida. É curado e o mérito vai para o
provedor da atenção. Ele não tem direitos. Semana passada marquei uma cesárea
em um caso de oligoamnio importante, era sexta-feira à noite. Eu sugeria o
sábado pela manhã mas a grávida disse que não queria no sábado. Eu concordei,
explicando que ela poderia esperar mais um dia, desde que não entrasse em
trabalho de parto. Liguei para o anestesista para combinar a cirurgia, e ele
disse: "porque você concordou com ela? Paciente tem simplesmente que
obedecer à decisão do médico, e acabou!!!" Sem discordar dele, apenas
disse que todas as pessoas têm motivos para suas decisões, e que não sendo
imperativo, se possível, devemos atender. Esta seria uma abordagem autoritária.
Hierarquia. Desprezo pela influência do emocional. Outra coisa, porque o marido
não é aceito em sala cirúrgica? A resposta de que vai contaminar não convence.
Se fosse assim, ninguém mais andaria de carro, visto que uma pessoa já morreu
de acidente, isto significa que NINGUÉM mais vai poder andar? Se uma
pessoa desmaiou e perturbou a cirurgia, não significa que isto deve ser banido.
De
qualquer maneira, o principio básico se resume no conceito de separação.
Pensamento uni-modal e racional-lógico ou do hemisfério esquerdo cerebral.
Pensamento linear.
MODELO HUMANISTA
Já
no modelo humanista, também chamado de bio-psíquico, como o próprio nome diz,
há uma ligação entre mente e corpo. Há uma influencia do que se sente e do que
se pensa sobre a saúde, sobre o que acontece no corpo. Neste caso um susto pode
ser a causa de um aborto. Uma noticia ruim pode ser a causa de um derrame, e um
excesso de alegria, como no fim do filme "Como água para Chocolate"
pode ser a causa de um enfarte do miocárdio.
O
enfermo se relaciona com sua enfermidade, assim como se relaciona com seu meio
ambiente e equipe terapêutica. Ele interage com o que o rodeia. Neste caso se
ele disser que prefere não tomar aquela droga e sim tentar um fitoterápico ou
um cházinho, isto não vai ser viso com escárnio. Escárnio este que desconsidera
que a grande maioria do arsenal terapêutico moderno vem das plantas ou são
sintetizados em laboratório, a partir de substancias naturais. Desde a
digitalina, o antibiótico extraído dos fungos, os hormônios extraídos dos
cactos e atualmente do germe da soja, os anestésicos a base do ópio (opióides),
o corticóide como base, o cortisol humano, o acido acetil salicílico retirado
da casca do salgueiro, a ergotamina extraída do esporão do centeio, desde a
Idade Média, e assim por diante.
Nesta
visão de mundo a doença acontece de dentro para fora. Aqui a medicina
psicossomática tem algum sentido. Um indivíduo que teve um câncer de próstata
há 10 anos e volta a ter câncer, desta vez de pulmão, não voltou a adoecer por
"metástase", mas porque teve uma grande tristeza e isto fez seu
sistema imunológico deixar de reconhecer as células cancerosas e deixar de
destruí-las.
Na
questão bucal, vamos orientar as famílias nos hábitos alimentares para melhorar
a saúde, e evitar doenças. O foco na prevenção e o alvo de cárie zero até os 10
anos de idade. O preço a ser pago por isto? Não irá tirar os dentes do siso,
mas sim abrir espaço e criar condições para que eles venham para fora. Não é
por acaso que estes dentes vêm a tona na transição da adolescência para idade
adulta, a sabedoria, a complementação da personalidade, a segurança para a vida
futura, a ajuda para a passagem, para o responsável mundo adulto e, finalmente,
a capacidade de se encontrar por inteiro ou se satisfazer na vida, ou, caso
sejam tirados, deixar aquela horrível sensação que por mais que se tenha ou
saiba, nunca é o bastante para o fazer feliz e satisfeito.
A
morte é um resultado aceitável. Acabou. O objetivo é morrer com saúde, com
dignidade, e se possível na sua própria casa, e não em uma UTI, ligado a vários
aparelhos, abandonado e longe de seus amados. Devemos ter uma passagem
tranqüila. Nunca me esqueço de uma paciente que pegou SIDA (AIDS) de seu
marido, que provavelmente era bissexual, e fazíamos um tratamento homeopático.
Ela se tratou por sete anos, mas depois disto, sua saúde começou a degringolar
e foi emagrecendo. Como eu não tinha recursos, nem terapêuticos nem técnicos
para trazer-lhe algum alivio, covardemente acabei encaminhando-a para um
hospital universitário. Ela morreu lá. A filha tinha 17 anos e a mãe 79. Eu
devia ter perguntado a elas o que queriam fazer e tomarmos a decisão juntos.
Talvez eu estivesse com medo de assinar o atestado de óbito ou com receio de
admitir a limitação da medicina a que eu me propusera... talvez... tenha
faltado sentimento, coragem. Compaixão.
Neste
modelo de atenção colocamos a terapia floral, a fitoterapia, as terapias
psico-físicas, e outras. O equilíbrio é o alvo maior. Equilíbrio orgânico e
emocional. Neste modelo a intuição vale alguma coisa. Certa vez eu sonhei que
ia realizar a cesárea de uma grávida, que tinha tido uma gravidez difícil e
complicada e ela veio para a consulta e eu contei-lhe o sonho, Tinha 38
semanas, ou seja, o nenê estava pronto para nascer. Ela concordou e assim o
fizemos. Imagine se o anestesista me perguntasse a indicação da cirurgia e eu
lhe dissesse: "foi um sonho", ele me internaria. Isto é o que
chamamos de pensamento bi-modal, raciocínio lógico e intuição juntos. Razão e
emoção.
MODELO HOLÍSTICO
Também
chamado de modelo bio-psico-social, no qual o ser humano é encarado como tendo
não somente corpo e mente, mas também espírito. Na homeopatia é chamada de
energia vital, ou força vital. Na medicina chinesa denominada de
"Tchi", na indiana de "Prana", outros também a descreveram
como "Reich", "Young", etc. O corpo é um sistema onde
vários fluidos circulam: sangue, linfa, mas também circula uma energia
(eletromagnética), que no caso da medicina chinesa, circula nos meridianos,
erroneamente traduzidos, sendo que a melhor tradução seria do chinês: canais de
energia.
Os
antigos sabiam da interação do ser humano com os astros, como por exemplo, com
a lua, influenciando o comportamento da mulher com o ciclo menstrual de 28
dias, ciclo da lua. Também usamos a expressão, que a pessoa "é de
lua", ou seja, que não se pode prever seu comportamento. Os antigos que
ficavam loucos eram conhecidos como lunáticos.
Hoje
em dia está mais que comprovada a interação do indivíduo com o todo que o
cerca, com as discussões que acontecem ao seu redor, com as dificuldades no
trabalho, com as emoções e as decepções afetivas. A homeopatia tem este modelo
há 200 anos. E justamente surgiu de uma pessoa que não aceitou a medicina
agressiva e ineficaz de sua época, chamada de medicina oficial ou alopatia, que
ainda continua sem uma filosofia (além do materialismo), e bastante agressiva.
Na época, ela se baseava em catárticos, enagogos, sangrias, entre outros
(George Washington foi morto pelos médicos, depois da terceira sangria... era
tudo que tinham para oferecer ao eminente presidente norte americano). Samuel
Hahnemann conseguiu erigir um edifício terapêutico baseado na lei dos
semelhantes, ou seja, "a substância que tem a capacidade de originar ou
desencadear um determinado sintoma ou doença em um indivíduo, tem a capacidade
de curar este mesmo sintoma ou doença quando este se manifestar
patologicamente, substituindo a doença natural real por uma doença
medicamentosa virtual curativa".
Alguns
homeopatas como James Tyler Kent, no final do século XIX, nos Estados Unidos,
influenciado por filósofos como Swenderborg, diziam que a doença procede do
pecado, de um comportamento inadequado, de uma doença da alma. Na atualidade,
temos ainda um representante desta linha com o Dr Mazi Elizaldi da Argentina.
No
caso da odontologia, temos a informação da medicina chinesa na qual a língua
tem relação com vários órgãos: na parte posterior sabor doce e relação com o
baço/pâncreas; nas laterais, sabor ácido, relação com o fígado, na ponta da
língua relação com o coração, ao centro sabor salgado e relação com o rim.
Quase
todos os meridianos têm um ramo para a cabeça e para a boca. Principalmente o
intestino, o estômago e o fígado. Hálito forte pode ser relacionado com um
fígado ruim. O fígado está muito relacionado com as emoções. Particularmente a
raiva. Aquilo que se tem que engolir, os sapos da vida...
O
processo de adoecimento do ser humano ainda não foi compreendido pela medicina
alopática, que relaciona as doenças com os agentes patógenos microbianos, que
nesta vertente da medicina, o indivíduo adoece de dentro para fora.
Primeiramente o interior, a emoção, e depois o corpo. Conheço um médico que
teve câncer duas vezes. Na primeira, ele, que é português, viu um filho seu ser
preso pela polícia em praça pública, por drogas. Dois dias depois ele
manifestou um câncer. Outra paciente minha desenvolveu um câncer de mama depois
que sua mãe morreu. São tantos os exemplos que todos devem conhecer alguém que
ficou doente depois de uma perda, de um ciúme, ou outra emoção forte.
Pela
lei de cura enunciada pelo Dr Constantino Hering, alemão, o indivíduo se cura
de dentro para fora, de cima para baixo, na ordem inversa do aparecimento de
sua doença. Ou seja, se damos um medicamento, e o indivíduo melhora do
emocional, passa a suportar melhor sua doença, mesmo que ela tenha agravado,
ele está no caminho da cura.
A
ciência e a tecnologia à serviço do indivíduo como um todo. O enfoque básico
destas medicinas suaves está na manutenção da saúde e de se prevenir os
desacertos do futuro. Como? Trabalhando nas variáveis que influenciam a saúde:
alimentação, atividades físicas, práticas de relaxamento, equilíbrio emocional,
mudança da postura em relação à vida, passando de passivo a participante de sua
vida, deixando de "guardar" as emoções para a adequada colocação de
suas percepções.
Nesta
abordagem e vivência de mundo a morte é um passo no processo, algo passível de
acontecer e que significa uma passagem. Conheço um casal que teve um parto de
gêmeos. O primeiro nasceu fácil, rápido, quase caiu no chão, o segundo demorou,
demorou, e finalmente quando foi feita uma cesárea, nasceu em péssimas
condições, sobreviveu durante 5 dias e partiu. O casal acabou consolando o
médico. Ela já tinha outros 2 filhos. Um deles, de 4 anos disse: "mãe você
está com um irmãozinho na sua barriga!" -- Que besteira menino... E não
deu outra. Depois ele disse, antes da ecografia confirmar que era menino, e
eram dois! No final da gestação ele perguntava: "mãe, você pode voltar com
um nenê e deixar o outro no hospital? Pode nascer um e o outro morrer? E outras
perguntas, que foram aos poucos, "preparando" a mãe para, o que
parece, já estava previsto acontecer. Dr Adailton Salvatore Meira é médico
ginecologista e obstetra.
Dr
Adailton Salvatore Meira é médico
ginecologista e obstetra
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